O PRATO FEITO*
por Armindo Torres
Ali estava o prato, fumegante, bem à sua frente: arroz, feijão, bife e
jiló.
Lá dentro, o estômago reclamava. Estômago de chapa, tão grande quanto a
sua ignorância de analfabeto. As paredes flexionavam-se num movimento
espasmódico de mar agitado. Os sucos gástricos marolavam-se num redemoinho de angústia e fome. Esperavam
o alimeno para o envolverem e o abraçarem, triturando-o num rito de paixão
sádica. Extrairiam dele toda a essência calorífica, distribuindo-a, depois, a
todas as partes do corpo.
Corpo quase perfeito. Se-lo-ia, se o perfeito existisse. Uma pirâmide de
músculos em membros avantajados.Maravilhosas contrações faziam-se notar ao
menor trejeito. A pele que o cobria era parda e, quando exposta ao sol, banhada
de suor, brilhava intensamente. Corpo poderoso, matéria destrutível, que dava
ao seu dono pretensões imortais. O conjunto de músculos movimentava-se numa dança
frenética, quando o senhor daquela plástica descarregava um caminhão. O corpo
era a imortalidade daquela alma curta.
Lançou-se ao prato com avidez. As mandíbulas rebolavam sensualmente,
estuprando os alimentos. Nem o arroz, nem o feijão, trouxeram-lhe sensibilidade.
Tampouco, o jiló despertou-lhe poesia. A carne, porém, inspirou-lhe algo: sexo.
Isto ele entendia demais. Mastigou-a e
pensou em Maria Rita. Era gostosa, muito gostosa. A carne ou Maria Rita? As
duas , concluiu satisfeito. A nega confundia-se com a comida. O arroz
parecia-se com a voz dela; macia, excitante. O feijão lembrava-lhe os olhos:
negros, temperados de luxúria. O jiló...ah, o jiló!... Às vezes, a nega
irritava-se . O jiló era a irritação de Maria Rita: forte, mas passageira; amarga, mas com sabor especial. Talvez a nega
ficasse até mais linda quando se irritava, o chapa não sabia. E a carne? A
carne era a amante inteira: suculenta, deliciosa!
O barulho de um caminhão que encostava desconcentrou-o. Era hora do
pesado. Olhou para o prato. Ainda havia nele um pedaço de Maria Rita. Comeu-o
com satisfação sexual. Depois, levantou-se e foi balançando os músculos
poderosos até que a bala do marido enganado acabasse com aquela imortalidade
mortal.
(do livro de contos ATRÁS DO COPO DE CERVEJA,
de Armindo Torres, p 9/10 , Esdeva Empresa Gráfica Ltda, Juiz de Fora, MG, 1978
)
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